Segundo o empresário e diretor da CSN, Benjamin Steinbruch, a explicação dos especialistas para justificar os juros altos sempre foi a de que éramos um "país diferente"; parece que essa situação está mudando.
Em artigo publicado nesta terça-feira na Folha de S.Paulo, o
empresário e diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN),
Benjamin Steinbruch lembra que os especialistas sempre tiveram
explicações prontas para justificar os juros altos do Brasil. A de que
era um "país diferente", pois para induzir a queda da inflação, suas
taxas de juros teriam de ser "exponencialmente maiores". Para
Steinbruch, porém, essa fase pode estar chegando ao fim e o Brasil entra
"na era dos juros civilizados".
Leia sua análise:
País diferente
Era uma vez um país que, durante muitos e muitos anos, privilegiou os
investimentos financeiros. Quem aplicava o dinheiro no mercado
financeiro tinha ganhos bem superiores à taxa de inflação - ganhos
reais, como dizem os economistas.
Nessas condições, pessoas físicas e jurídicas se acostumaram durante
décadas com rendimentos financeiros que não exigiam nenhum esforço e não
representavam praticamente nenhum risco. Os títulos do governo eram
seguros e rendiam sempre bem mais do que a inflação. Frequentemente,
proporcionavam retornos melhores do que o de operações industriais e
comerciais.
Durante todo o tempo em que esse país foi seguidas vezes campeão (ou
vice) mundial dos juros altos, havia explicações sempre prontas dos
especialistas. O país seria diferente dos demais. Assim, para funcionar
como indutor da queda da inflação, os juros teriam de ser
exponencialmente maiores.
Os empresários diretamente ligados à produção foram, nesse tempo
todo, críticos enfáticos dessa política de juros elevados. Até um
empresário que ocupou a vice-presidência da República por oito anos, o
saudoso José Alencar, destacou-se nessa crítica, mesmo tendo se chocado
muitas vezes frontalmente com alas do governo na área da economia.
Num belo dia, porém, alguém acendeu uma luz e o discurso já cansativo
e repetitivo dos empresários começou a ser melhor observado. A
jabuticaba dos juros desse país diferente não poderia continuar para
sempre. A taxa básica começou então a ser cortada pelas autoridades
monetárias. Em pouco mais de um ano, a taxa foi reduzida de 12,5% ao ano
para 7,5% ao ano. Deixou de ser a mais alta do mundo, mas continuou
ainda distante das demais taxas internacionais, muitas delas próximas de
zero.
Hoje, tudo indica que esse país está finalmente entrando na era dos
juros civilizados. A batalha atual é para convencer o setor financeiro a
reduzir a diferença entre as taxas que paga ao captar recursos e as que
cobra ao emprestá-los, que os financistas chamam de spread. Ou seja,
que os bancos passem a adotar juros civilizados também na oferta de
crédito a pessoas físicas e jurídicas. Até a presidente da República se
envolveu nessa cruzada, fazendo críticas diretas às taxas de juros dos
cartões de crédito. O ministro da Fazenda chamou-as de "escorchantes".
A palavra parece apropriada. Sob crítica, as instituições financeiras
começaram a baixar os juros dos cartões. Mas elas continuam ainda
bastante elevadas, muitas em torno de 300% ao ano. Só para se ter uma
ideia, entre os países vizinhos desse país diferente, a mais alta taxa é
de 55% ao ano. Os países mais distantes, mais ricos, têm taxa anual
equivalente à mensal desse país diferente.
Ainda há, portanto, muito a progredir nesse país em matéria de taxas
de juros no crédito tanto a empresas quanto a pessoas físicas. Mas os
observadores de tendências, do ramo das finanças ou leigos no assunto,
já notam que a queda dos juros começa a levar pessoas físicas e
jurídicas a investir seu dinheiro diretamente em atividades mais ligadas
à produção.
Pessoas físicas já procuram fundos imobiliários e outros papéis
ligados à construção. À medida que a situação global tenda a se
estabilizar, também buscarão, certamente, ações de empresas que
remunerem bem seus acionistas e mantenham boas práticas de gestão
corporativa.
Além de reduzir juros, outras medidas vêm sendo tomadas pelo governo
desse país diferente para diminuir custos de produção, como desoneração
de folhas de pagamentos e cortes de impostos.
É uma tendência muito bem-vinda, porque ela vai estimular exatamente o
que esse país mais precisa: investimentos de médio e de longo prazo.
Aumentar o investimento é crucial para que o objetivo maior do
crescimento da produção e do emprego seja ali cumprido, sem estimulo
inflacionário.
Em breve, se a tendência continuar, chegará a hora da verdade para
que esse país deixe de ser diferente. Nele, certamente continuará sendo
possível "viver de renda", como diziam os antigos.
Mas a vida, nesses casos, será menos tranquila, porque os ganhos
reais cairão, como em qualquer lugar do mundo. Quem quiser obter
rendimentos mais elevados terá de arregaçar as mangas, investir em
operações produtivas de longo prazo e correr mais riscos. Será um país
igual aos outros. Ou, no mínimo, menos diferente.
BENJAMIN STEINBRUCH, 59, empresário, é diretor-presidente da
Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração
da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp
Fonte: SP247
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